50 Grãos do Terra
Há quem diga que a
trilogia de E. L. James (Erika Leonard James) é o livro “modinha da vez” e que afundará muito mais rápido do que o
Titanic. Eu sugiro que coloquem os seus
coletes!
Liderou o ranking dos
mais vendidos, mas isso não é o suficiente para que seja considerado bom, pelo
contrário, há uma discussão sobre seu caráter literário que o deixa longe de
ser um cânone. Eu o li, foram 1.536 páginas que poderiam ter sido resumidas em
apenas um único volume, estaria ótimo!
Alguns homens ridicularizam Cinquenta Tons, talvez por que desconheçam que as mulheres tenham direito ao prazer? Sexo é tabu? Por que uma protagonista tão politicamente correta? Por que o “príncipe” tem que ser rico? Talvez essa tenha sido a grande sacada de E. L. James, conhecer o público que quer atingir. Feliz ou infelizmente, as estatísticas comprovam que muitas mulheres se identificam com a obra. Comentam com todas as amigas e os colocam debaixo dos braços como se fossem um manual e se sentissem transgressoras, mas de quê? Pra quem?
O sexo é um tema gerador de audiência
porque desperta nas pessoas a curiosidade do novo, de algo que poderia ser
feito e que nenhum “voyeur” ousaria perder. Eis que me lancei ao mar...
No primeiro livro, Cinquenta Tons de Cinza, E. L. James lança mão do sadomasoquismo atraindo a ingênua e virgem Steele para a casa do “lobo” Grey e forra o “quarto da dor” em vermelho para combinar com a sua capa de chapeuzinho. Ok! Não é um spoiler que se preze, mas queiram vocês navegarem por diversas páginas enfadonhas de trocas de e-mails, de briguinhas banais, sexo e mais sexo sem se sentirem enjoados.
No segundo livro, Cinquenta Tons mais Escuros, na metade
do livro eu fiquei mais animado e esperançoso com a aventura proporcionada pelo
“bang bang” que rolou entre as personagens e no final, o mocinho consegue
salvar a mocinha. Ufa! Até que enfim, levantaram da cama!
No terceiro, Cinquenta Tons de Liberdade, o “bad romance" vai por água
abaixo (Eu disse para usarem o colete) e o “lobo” se transforma num “gatinho
cansado de guerra” que se torna papai e assim, o livro termina com a
queridíssima Steele sentada, grávida pela segunda vez, sobre o gramado da
magnífica mansão assistindo pai e filho brincarem numa cena comum e bem típica
de um "happy end". Parece que os sonhos são sempre os mesmos porque
nos tornamos desbotados demais. Ainda bem que existe o ponto final nos livros!
Senão, seria inevitável o bocejar até mesmo das personagens.
Christian Grey é o rei dos “playboys” e o ápice do consumismo onipotente que desfila cheio de grifes, carros de luxo e helicóptero. Ele é um semideus machista. É branco e atlético. O mito do falo viril criado pela cultura do prazer, um espectro da nossa sociedade do estupro. É um nada, porque é uma fantasia construída dentro dos padrões de estereótipos sociais. A personagem é o desbotado das cores que há no velho “quadro” de uma vida fútil, regada a prazeres superficiais, mas desejados por muitos e vivida em diversos tons de exploração. Peguei pesado? Ok! Ele tem um passado triste e um final “redentor”.
Anastasia Steele, uma jovem
recém-formada, “inteligentíssima”, magra, branca, responsável, virgem, sonha em
ser independente, busca o príncipe encantado, tem baixa autoestima, possui o
estereótipo da mulher feita para casar e é superlegal. Viram? Uma fórmula
identificatória perfeita, não?! Embora, pareça feliz, Steele não se torna
realizada profissionalmente, sua “independência” no começo do livro é apenas
aparente porque ao se relacionar com Grey, ela retoma o padrão engessado conhecido
por todos nós. Ela é apenas um objeto de utilização pornográfica que acha que
escolheu, mas foi escolhida!
A mulher liberada não é tão liberada assim, pois não consegue aproveitar o sexo pelo sexo. Se agora ela apresenta uma destreza sexual antes reservada apenas às profissionais do sexo, ela ainda sonha com o príncipe encantado, que ela será capaz de seduzir, encantar e – sim, esse sonho ainda continua na cabeça das mulheres liberadas – levar ao altar. (BORGES; TIBURI, 2014, p. 186).
Cinquenta Tons de Cinza é polêmico?
Demais! Há vários temas que deveriam ser discutidos como o sadomasoquismo; a
mulher no mercado de trabalho; a mulher como protagonista de si e dona de seu
corpo; o papel que a personagem Anastasia desempenhou na vida de Grey, ou seja,
a mulher que levanta o moral do homem para que ele brilhe magnífico; os mitos
do sexo; a necessidade da mulher em ser mãe para se sentir realizada; o homem
provedor e as diferenças entre literatura e não-literatura.
Enfim, terra firme!!
ROBERTO TERRA
Publicado em parceria num blog Aqui
Referência:
BORGES, Maria de Lourdes; TIBURI, Márcia. (Organização) Filosofia: machismos e feminismos. Florianópolis: Ed. UFSC. 2014.